terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Dias de abandono – de Elena Ferrante





Por Adriane Garcia

Dias de abandono (ed. Globo, tradução de Francesca Cricelli) é a história de Olga, uma mulher que, depois de quinze anos de casamento e com dois filhos, recebe a notícia do fim de seu casamento. A princípio, tentando entender o gesto de Mário apenas como uma fase, Olga se esforça por sustentar seu equilíbrio, crente de que em pouco tempo, ele voltará para casa. Daqui em diante, a narrativa, que é em primeira pessoa, dá ao leitor a sensação de estar descendo uma escada sem fim, em espiral, vertiginosa.

Elena Ferrante é mesmo uma escritora e tanto. Sua voz narrativa é potente e simples, objetiva e bem construída, limpa e de grande alcance. Em Dias de abandono, ela nos dá um romance envolvente, faz o leitor acompanhar a protagonista com ansiedade e provoca empatia por sua personagem mesmo quando suas ações já são de completo desequilíbrio.

Mais que o retrato do fim de um relacionamento, o que Elena Ferrante nos faz sentir em Dias de abandono é a tênue linha que podemos atravessar ao nos perdermos de nós mesmos, o nosso despreparo, tão humano, de viver o conflito extremo, a luta interna por nos recuperarmos, trazendo-nos a nós mesmos.

Até que ponto Mário é ou pode ser estrutura para esse outro ser humano, Olga? Que caminhos Olga percorrerá para fortalecer novamente a sua identidade, que passara a se confundir com a do outro? Em um mundo esfacelado de casamentos desfeitos, onde e como se encaixam as crianças?

Um livro sincero, tocante, de cuja história não nos esquecemos mais.

Uma tarde de abril, logo após o almoço, meu marido me comunicou que queria me deixar. Fez isso enquanto tirávamos a mesa, as crianças brigavam como sempre no outro cômodo, o cachorro sonhava resmungando ao lado do aquecedor. Disse-me que estava confuso, que vivia maus momentos de cansaço, de insatisfação, talvez de covardia. Falou por muito tempo dos nossos quinze anos casados, dos filhos, e admitiu que não tinha o que reclamar deles nem de mim. Manteve a compostura de sempre, contendo um gesto de excesso com a mão direita quando me explicou com uma careta infantil que vozes leves, certo sussurro, o levavam para outro lugar. Depois assumiu a culpa de tudo que estava acontecendo e fechou com cuidado a porta atrás de si, deixando-me como uma pedra ao lado da pia.
(primeiro parágrafo, p. 5)

***
Dias de abandono
Elena Ferrante
Trad. Francesca Cricelli
Romance
Ed. Globo
2016


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