quinta-feira, 4 de agosto de 2016

História da chuva – de Carlos Henrique Schroeder




Confesso que quando soube da morte de Arthur, num primeiro momento, de mesquinhez absoluta, fiquei feliz; pois, quando os bons se vão, sobra espaço para os ratos.”

Quando a apresentação terminou, levantaram-se e abraçaram Arthur. Estavam chorando, era possível ver as lágrimas despencando. Não disseram nada, não eram bons nisso, em expressar sentimentos. Eram gente do campo, acostumados com a natureza, que tem suas regras próprias, não humanas. Acostumados a não ter com quem dividir suas angústias, pois para eles a “vida era assim, e pronto”, não adiantava externar. O psicanalista do campo é a enxada, o arado.”

Ser escritor é ser rancor.”


Uma vez um professor de teatro brincou que no meio das peças ruins pensávamos: “ainda não acabou?” e que no final das boas inquiríamos: “mas já acabou?”, independente da duração das peças.

Terminei a leitura de História da chuva com aquela vontade que sentimos lendo um bom romance, a de adiar o final. Confesso que mais para o fim economizei, queria ler de uma só vez, mas, ao mesmo tempo, queria aquelas companhias se estendendo. Estava em viagem e aproveitei para dividir em “um pouco na ida, um pouco na volta”. Quando terminei, emocionada, pois àquela altura já tinha o narrador personagem como meu conhecido, fechei o livro, mas ainda fiquei um bom tempo pensando no narrador, em Arthur, Lauro, Melissa, aquele cenário de chuvas e rios, uma melancolia lacrimosa, portanto molhada, atravessando as existências.

Partindo da morte de Arthur, importante manipulador e dramaturgo do teatro de bonecos, após encontrado seu corpo boiando nas enchentes da região do Vale do Itajaí – quando diversas cidades se encontravam debaixo d'água – Schroeder nos oferece uma trama que prende do início ao fim. A maneira como o autor escolhe nos dar esta história, misto de romance, relato jornalístico, ensaio, faz com que, mesmo sendo um livro com muitas informações, isso não atrapalhe de forma alguma a fluência do texto. Ao contrário, grande riqueza de História da chuva é também poder passear pela história do teatro de bonecos no Brasil, especificamente em Minas Gerais (onde encontramos o magistral Grupo Giramundo, de Álvaro Apocalipse, e outros) e em Santa Catarina, onde Schroeder nos leva ao GEFA – Grupo Extemporâneo de Formas Animadas.

Escritor desesperado e confesso, homônimo do autor, dono de pequena editora num país que não lê, o narrador pretende escrever sobre Arthur e o GEFA, na esperança de “emplacar um ensaio em alguma grande revista.” Suas reflexões sobre meio artístico e literário são ácidas e impiedosas, assim como tampouco poupa a si mesmo. As páginas ainda são preenchidas de humor, tragédias e reviravoltas, numa narrativa não linear, mas que se encontra perfeitamente.

De forma criativa, em História da chuva, assistimos até mesmo a uma peça de teatro, e rimos; e, quando as cortinas se fecham, ficamos chocados. Reconhecemos a angústia do narrador, andamos por regiões rurais do sul do país e frequentamos um pouco suas gentes; conhecemos o ciúme doentio de Melissa, reconhecemos a precariedade de se fazer arte no Brasil, a incerteza das relações. Por algum tempo nos esquecemos dos alagamentos externos, mergulhados nos rios que somos. Por fim, a reflexão profunda, diante das águas que nosso narrador contempla. É com ele, em silêncio, que pensamos juntos: Arthur morre afogado, mas era exímio nadador. Parece o mesmo rio, o do início e o do fim, mas é impressão. O rio, sabemos de Heráclito, ignora permanência, e nós já não somos os mesmos.

***
História da Chuva
Carlos Henrique Schroeder
Romance
Editora Record



Nenhum comentário:

Postar um comentário