quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O bebezinho da velhinha - Silvana de Menezes



Por Adriane Garcia


Você conhece O bebezinho da velhinha? Se não conhece, tem que conhecer. É destes livros infantis que crianças amam e adultos adoram!

Escrito e ilustrado por Silvana de Menezes, ter este livro em mãos vai lhe mostrar a total sintonia entre texto e imagem. A história? Uma linda viagem amorosa, curiosa, ao segredo da velhinha que, dia sim, dia não, ia às compras, na cidade pequena, para cuidar das necessidades de seu misterioso bebê, jamais visto. As imagens? Ah, passeio de alumbramento por ilustrações monocromáticas tão criativas, quanto bonitas e surpreendentes, ocupando páginas largas inteiras.

Dona Serafina, a velhinha de 90 anos e óculos fundo de garrafa, tinha um bebê do qual as pessoas sabiam “só por ouvir dizer”. Não bastasse, era sempre acompanhada por seu fiel cãozinho de três pernas, Melzinho.

Todo mundo estranhava, mas ninguém fazia nada.
Podia ser um delírio, coitadinha.
E estando sempre tão alegrinha por cuidar de seu nenê, fosse ele de verdade ou ficção, era justo voltá-la à razão?
De tão velhinha, dona Serafina era vista como uma criança.
Foi então consenso entre todos deixá-la em paz com seus devaneios, afinal, o bebezinho podia ser o amigo invisível dela.”

Porém um dia, cadê, Dona Serafina? Some, simplesmente não aparece mais para as compras.
É então que pessoas da comunidade passam a procurá-la. E a leitora e o leitor também.

O final é prenhe de humanidade e reflexão sobre o amor.

Recentemente fiquei sabendo que foi traduzido na China e que vai encantar também as crianças de lá. Fiquei feliz. O mundo está mais é precisando de coisa boa.

* * *

O Bebezinho da velhinha
Silvana Menezes
Editora Cortez

2014

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

História da chuva – de Carlos Henrique Schroeder




Confesso que quando soube da morte de Arthur, num primeiro momento, de mesquinhez absoluta, fiquei feliz; pois, quando os bons se vão, sobra espaço para os ratos.”

Quando a apresentação terminou, levantaram-se e abraçaram Arthur. Estavam chorando, era possível ver as lágrimas despencando. Não disseram nada, não eram bons nisso, em expressar sentimentos. Eram gente do campo, acostumados com a natureza, que tem suas regras próprias, não humanas. Acostumados a não ter com quem dividir suas angústias, pois para eles a “vida era assim, e pronto”, não adiantava externar. O psicanalista do campo é a enxada, o arado.”

Ser escritor é ser rancor.”


Uma vez um professor de teatro brincou que no meio das peças ruins pensávamos: “ainda não acabou?” e que no final das boas inquiríamos: “mas já acabou?”, independente da duração das peças.

Terminei a leitura de História da chuva com aquela vontade que sentimos lendo um bom romance, a de adiar o final. Confesso que mais para o fim economizei, queria ler de uma só vez, mas, ao mesmo tempo, queria aquelas companhias se estendendo. Estava em viagem e aproveitei para dividir em “um pouco na ida, um pouco na volta”. Quando terminei, emocionada, pois àquela altura já tinha o narrador personagem como meu conhecido, fechei o livro, mas ainda fiquei um bom tempo pensando no narrador, em Arthur, Lauro, Melissa, aquele cenário de chuvas e rios, uma melancolia lacrimosa, portanto molhada, atravessando as existências.

Partindo da morte de Arthur, importante manipulador e dramaturgo do teatro de bonecos, após encontrado seu corpo boiando nas enchentes da região do Vale do Itajaí – quando diversas cidades se encontravam debaixo d'água – Schroeder nos oferece uma trama que prende do início ao fim. A maneira como o autor escolhe nos dar esta história, misto de romance, relato jornalístico, ensaio, faz com que, mesmo sendo um livro com muitas informações, isso não atrapalhe de forma alguma a fluência do texto. Ao contrário, grande riqueza de História da chuva é também poder passear pela história do teatro de bonecos no Brasil, especificamente em Minas Gerais (onde encontramos o magistral Grupo Giramundo, de Álvaro Apocalipse, e outros) e em Santa Catarina, onde Schroeder nos leva ao GEFA – Grupo Extemporâneo de Formas Animadas.

Escritor desesperado e confesso, homônimo do autor, dono de pequena editora num país que não lê, o narrador pretende escrever sobre Arthur e o GEFA, na esperança de “emplacar um ensaio em alguma grande revista.” Suas reflexões sobre meio artístico e literário são ácidas e impiedosas, assim como tampouco poupa a si mesmo. As páginas ainda são preenchidas de humor, tragédias e reviravoltas, numa narrativa não linear, mas que se encontra perfeitamente.

De forma criativa, em História da chuva, assistimos até mesmo a uma peça de teatro, e rimos; e, quando as cortinas se fecham, ficamos chocados. Reconhecemos a angústia do narrador, andamos por regiões rurais do sul do país e frequentamos um pouco suas gentes; conhecemos o ciúme doentio de Melissa, reconhecemos a precariedade de se fazer arte no Brasil, a incerteza das relações. Por algum tempo nos esquecemos dos alagamentos externos, mergulhados nos rios que somos. Por fim, a reflexão profunda, diante das águas que nosso narrador contempla. É com ele, em silêncio, que pensamos juntos: Arthur morre afogado, mas era exímio nadador. Parece o mesmo rio, o do início e o do fim, mas é impressão. O rio, sabemos de Heráclito, ignora permanência, e nós já não somos os mesmos.

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História da Chuva
Carlos Henrique Schroeder
Romance
Editora Record